Eu não só trabalhei toda a tarde no poema.
Eu trabalhei toda a tarde sobre ele. Mais,
trabalhei incessante na tarde do poema.
Exausto, esqueci-me dele. Mas a sua
exaustão é insondável. Penses assim:
no segundo verso, quanta dilaceração!
No final, talhos na carne, verso banal, risca
a palavra porta. Impede de a passagem.
Não sei quantas vezes foram. Apaga
daqui, retoma ali, acolá não ficou bom.
Corta. Por isso, a tarde para o poema
termina dolorida. Um canto de guerra,
mas que fala do amor da borboleta,
que aliás, não mais consta,
ficou implícita, divididas asas
abrigadas em brasas, não como desfecho,
rimas forçada num ritmo melancólico.
Amor não se canta assim. Amor desenvolve
a vida e os versos, tem outras fórmulas,
outros finais. Para se cantar o amor,
não se pode massacrar a barriga. E ademais,
desfazer-se de palavras, adjetivos ao lixo.
E a dor? Ficou na dúvida entre um soneto
e uma ode desprovida, de débil interjeição.
Ou coisa assim.
A tarde do poema livrou o poeta. Livrou-o de sua tarde,
deu-lhe redenção. A que custo a poesia
se comprouve em serafim. A pena moveu
sua tarde em direção à outra pena.
02/09/2007