Sinto correr de minha boca um rio de sombra.
Joaquim Cardozo
Nasci. Antes de andar ou falar,
Já sonhava. Não lembro sequer
Algum instante de liberdade.
Preso em projeções fora de mim,
Aprendi lidar com a gangorra,
Determinante de minhas horas.
Para não explodir todo o resíduo
Que foi em mim acumulando,
Senti que precisava de evadir-me.
Tomei a rota das palavras e caí
Na solidão rodeada de afetos
Sebastianistas; quase todos planos
A edificar-me como cópia reles
Da gente que o tempo apagou.
Hoje, nada sei sobre lucidez.
Apenas que sou o de sempre
Atrás das portas e de poemas.
Enquanto escrevo, penso ser rio;
Lento, mas ansioso. Um contínuo
Caminhante em direção ao mar.
Como não vou entender a morte,
Não sentirei o fim: acho que um sono
Sem o despertar matutino, sem graça.
O depois poderá ser um haiku: três
versos como uma fotografia; inertes.
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