
TREM DAS PALAVRAS
. Dedicado à memória de Apparício Lara Filho, amigo e mentor.
. Capa de André Costa
. Prefácio de Jorge Henrique Costa
. Diagramação de Carolina Godinho Retondo
. Agradecimentos efusivos a Fatu Antunes e Mário Tadeu Ricci, amigos que possibilitaram este livro.
Nesta antologia estão contidos poemas dos livros:
Mundhoje, 2005
Amororos, 2007
O quanto deságua
e
Essências da noite, 2008
e outros poemas de 2009 e 2010,
dispostos em cronologia inversa,
verdadeiro trajeto deste trem, que a Poesia,
sombra galhofeira, insiste em chamar
de viagem pelas perdas e pelos danos.
A.R.
PREFÁCIO
NO TREM DAS PALAVRAS
Numa sucessão de ritmos, tons e experimentações estilísticas que revelam o equilíbrio poético, Alfredo Rossetti expõe neste TREM DAS PALAVRAS, toda sua capacidade criativa.
O livro reúne poemas de várias épocas, demonstrando que o autor vem se dedicando a uma discreta pesquisa poética, como um estudioso que investiga sem alardes, sob a égide da imaginação lúdica. Alfredo Rossetti trabalha como o químico que experimenta fórmulas para atingir seu fim, a receita certa, a palavra sã. Explorando um variado leque de temas que vão da palavra amorosa à reflexão ideológica, até as inquirições ontológicas, como nesta passagem esclarecedora:
(No sempre perco meu documento. A minha terra é esse momento) O poeta deve sempre procurar reproduzir o mundo, o tempo, as sensações de uma maneira que ilumine o leitor para fatos, à partida corriqueiros, mas que permitem reinventar as coisas perante as pessoas. No poema O MOVIMENTO DA ARANHA, Alfredo Rossetti condensa a imagem da solidão, num dos textos mais conseguidos do livro:
O bar sem afagos. Sentados à mesa, os três. Um homem sem olhar, uma canção. e revolta, tácita, soberana dos dois, a solidão. Tal capacidade de capturar um momento e sintetizá-lo em palavras é uma das formas que temos para admirar um poeta, de criar um medidor interior capaz de mensurar a tensão que se reproduz em nós após a leitura de um verso:
E a solidão obedece seu santificado de deserto O próprio poeta tem que se conscientizar do seu estar no mundo, dos seus limites e de sua pequenez:
Me transformo, me moldo. Neste mundo de Deus me afiguro, me adpato. Nunca paro, e até o próximo segundo me reforço, estou apto. Alfredo Rossetti consegue atingir momento de real poeticidade, em que a sua condição reflexiva – inserto em todo verdadeiro poeta – produz passagens que poderiam ser os punti luminosi de sua poética:
Somos uma eterna madrugada, quando falamos à sós. Momento em que buscamos a verdadeira estrada: a que nos leva para dentro de nós. A busca do sentido da vida é percebida através da compreensão metafísica. O poeta é aquele que indaga tudo o que envolver o homem, e daí tira sua parcela de beleza:
O que foi antes passa a ainda é. Mas se o poeta tem plena consciência de seu estar no mundo, também está atento às mudanças ocorridas ao longo do tempo. É como este espectador lúcido que Alfredo Rossetti dá um salto processual indo da reflexão metafísica, para a reflexão ideológica, interrogando-se sobre as derrocadas das ideologias, os desencantos políticos. Neste sentido, o poeta mostra seu passaporte do homem interessado no destino humano:
A foice foi-se. Virou ponto cego. Da foice à colhedeira ao martelo sem prego. A sua interrogação mescla desencanto com humor sem ser tendenciosa, pelo contrário, é enviesada pelo humor, seguindo uma tradição literária brasileira desde os modernistas:
Enquanto o capitalismo enche o mundo de lixo e a incompetência comunista o homem de ilusão, a poesia me enche de preguiça sem qualquer pudor ou busca pela razão. Em TREM DAS PALAVRAS, Alfredo Rossetti inaugura uma linha poética que faz muitas paradas por diversos gêneros poéticos – poesia modernista, à maneira de Oswald de Andrade, poesia marginal, concreta, etc. – Mas a meu ver, é sobretudo na percepção do mundo que o poeta captura os fatos corriqueiros que se transformam em instâncias expressivas, e onde gravitam os momentos mais fortes do livro. O autor funda aí uma voz para si mesmo, instilando uma expressividade assinalável. Exemplo emblemático e característica primordial deste poema, lê-se no poema O VELHO G&E:
O ventilador da biblioteca traça, em pêndulo eólico, um mapa invisível. Distribui seu aceno simbiótico entre livros. Emite um grito que o vento abafa, enquanto uma flanela encalmada acaricia sua aranha ferrenha. Gotas de um óleo balsâmico o revigora, mas abisma a poeira amiga, que o afaga nas noites sem sopro, de silêncio consorte. E assim, efígie do tempo, aguarda a sua condição humana, quando a manhã o torna poesia. Sua linguagem é sucinta, transparente, surpreendente.
E todos devem receber com prazer o convite para essa viagem que o poeta nos convida, com o poder de sua linguagem poética.
Jorge Henrique Bastos
Numa sucessão de ritmos, tons e experimentações estilísticas que revelam o equilíbrio poético, Alfredo Rossetti expõe neste TREM DAS PALAVRAS, toda sua capacidade criativa.
O livro reúne poemas de várias épocas, demonstrando que o autor vem se dedicando a uma discreta pesquisa poética, como um estudioso que investiga sem alardes, sob a égide da imaginação lúdica. Alfredo Rossetti trabalha como o químico que experimenta fórmulas para atingir seu fim, a receita certa, a palavra sã. Explorando um variado leque de temas que vão da palavra amorosa à reflexão ideológica, até as inquirições ontológicas, como nesta passagem esclarecedora:
(No sempre perco meu documento. A minha terra é esse momento) O poeta deve sempre procurar reproduzir o mundo, o tempo, as sensações de uma maneira que ilumine o leitor para fatos, à partida corriqueiros, mas que permitem reinventar as coisas perante as pessoas. No poema O MOVIMENTO DA ARANHA, Alfredo Rossetti condensa a imagem da solidão, num dos textos mais conseguidos do livro:
O bar sem afagos. Sentados à mesa, os três. Um homem sem olhar, uma canção. e revolta, tácita, soberana dos dois, a solidão. Tal capacidade de capturar um momento e sintetizá-lo em palavras é uma das formas que temos para admirar um poeta, de criar um medidor interior capaz de mensurar a tensão que se reproduz em nós após a leitura de um verso:
E a solidão obedece seu santificado de deserto O próprio poeta tem que se conscientizar do seu estar no mundo, dos seus limites e de sua pequenez:
Me transformo, me moldo. Neste mundo de Deus me afiguro, me adpato. Nunca paro, e até o próximo segundo me reforço, estou apto. Alfredo Rossetti consegue atingir momento de real poeticidade, em que a sua condição reflexiva – inserto em todo verdadeiro poeta – produz passagens que poderiam ser os punti luminosi de sua poética:
Somos uma eterna madrugada, quando falamos à sós. Momento em que buscamos a verdadeira estrada: a que nos leva para dentro de nós. A busca do sentido da vida é percebida através da compreensão metafísica. O poeta é aquele que indaga tudo o que envolver o homem, e daí tira sua parcela de beleza:
O que foi antes passa a ainda é. Mas se o poeta tem plena consciência de seu estar no mundo, também está atento às mudanças ocorridas ao longo do tempo. É como este espectador lúcido que Alfredo Rossetti dá um salto processual indo da reflexão metafísica, para a reflexão ideológica, interrogando-se sobre as derrocadas das ideologias, os desencantos políticos. Neste sentido, o poeta mostra seu passaporte do homem interessado no destino humano:
A foice foi-se. Virou ponto cego. Da foice à colhedeira ao martelo sem prego. A sua interrogação mescla desencanto com humor sem ser tendenciosa, pelo contrário, é enviesada pelo humor, seguindo uma tradição literária brasileira desde os modernistas:
Enquanto o capitalismo enche o mundo de lixo e a incompetência comunista o homem de ilusão, a poesia me enche de preguiça sem qualquer pudor ou busca pela razão. Em TREM DAS PALAVRAS, Alfredo Rossetti inaugura uma linha poética que faz muitas paradas por diversos gêneros poéticos – poesia modernista, à maneira de Oswald de Andrade, poesia marginal, concreta, etc. – Mas a meu ver, é sobretudo na percepção do mundo que o poeta captura os fatos corriqueiros que se transformam em instâncias expressivas, e onde gravitam os momentos mais fortes do livro. O autor funda aí uma voz para si mesmo, instilando uma expressividade assinalável. Exemplo emblemático e característica primordial deste poema, lê-se no poema O VELHO G&E:
O ventilador da biblioteca traça, em pêndulo eólico, um mapa invisível. Distribui seu aceno simbiótico entre livros. Emite um grito que o vento abafa, enquanto uma flanela encalmada acaricia sua aranha ferrenha. Gotas de um óleo balsâmico o revigora, mas abisma a poeira amiga, que o afaga nas noites sem sopro, de silêncio consorte. E assim, efígie do tempo, aguarda a sua condição humana, quando a manhã o torna poesia. Sua linguagem é sucinta, transparente, surpreendente.
E todos devem receber com prazer o convite para essa viagem que o poeta nos convida, com o poder de sua linguagem poética.
Jorge Henrique Bastos
O ESTRANHO
Dentro de mim
um alguém me tira do sério.
Um alguém-mistério me traz o oco.
Um alguém-sufoco não me repele.
Um alguém à flor da pele não me escuta.
Um alguém-cicuta, coro do instinto.
Um alguém que sinto que não me zela e cora.
Dentro de mim, como um alguém de fora.
Um alguém-mistério me traz o oco.
Um alguém-sufoco não me repele.
Um alguém à flor da pele não me escuta.
Um alguém-cicuta, coro do instinto.
Um alguém que sinto que não me zela e cora.
Dentro de mim, como um alguém de fora.
O LIVRO DA NET
“os homens criam as ferramentas;
as ferramentas recriam os homens”
M.MCLUHAN
“Este mundo (pressinto)
vai se tornar terrivelmente complicado.
DRUMMOND
Leio um livro adensado em Kbites,
um livro que nunca se desarranja.
Não fica sobre a mesa,
não fica sob a cama,
nem esparso entorno.
Livro lá da terra que esbanja
o não-retorno.
Livro que não se usa marcador:
usa a marca do seu tempo.
Livro que se usa sem coito. Um livro filho do depois que a humanidade desapareceu, numa nuvem espetacular, em maio de 68.
Livro que se usa sem coito. Um livro filho do depois que a humanidade desapareceu, numa nuvem espetacular, em maio de 68.
O MARCADOR DE LIVROS
Coloco em meio às páginas de Drummond,
Maiakóvski.
Bem em cima do Áporo
no encontro poeirento da entomologia.
Desconforto que passa ao largo das estantes tediosas.
Entre versos de travessias angustiantes, o olho.
O olho que não deixou-se matar.
Amanhã ele (o olho) iluminará meu caminho de volta ao infinito bosque da poesia.
Desconforto que passa ao largo das estantes tediosas.
Entre versos de travessias angustiantes, o olho.
O olho que não deixou-se matar.
Amanhã ele (o olho) iluminará meu caminho de volta ao infinito bosque da poesia.
MOTO-PERPÉTUO
“Meu Pai trabalha sempre
e eu também trabalho”
JOÃO 5-17
Me transformo, me moldo.
Neste mundo de Deus
me afiguro, me adapto.
Nunca paro, e até
o próximo segundo
me refaço, estou apto.
Se a obra do filho e pai é incessante sou desta força filho do mundo que se replica: o tudo ou o nada mutante.
Ontem à noite era um espinho ou inhame; engrenei-me no universo como um gene que aprende na magnitude deste came.
Não busco entendimento nem oro em contestação, mas curioso e poeta, queria saber o que se evoluiu a ser meu coração.
(de uma das milhares conversas saudáveis com o Sr. Lara) 2009
Se a obra do filho e pai é incessante sou desta força filho do mundo que se replica: o tudo ou o nada mutante.
Ontem à noite era um espinho ou inhame; engrenei-me no universo como um gene que aprende na magnitude deste came.
Não busco entendimento nem oro em contestação, mas curioso e poeta, queria saber o que se evoluiu a ser meu coração.
(de uma das milhares conversas saudáveis com o Sr. Lara) 2009
O GOSTO QUE SE DISCUTE
O homem olha
o Universo:
sente-se pequeno.
O homem ouve um pio na mata: sente-se pequeno.
O homem sentado na pedra da praia: sente-se pequeno.
O homem diante do tempo que os livros contam: sente-se pequeno.
Mas o homem com a escolha nas mãos, não pode sequer pensar-se pequeno.
O homem ouve um pio na mata: sente-se pequeno.
O homem sentado na pedra da praia: sente-se pequeno.
O homem diante do tempo que os livros contam: sente-se pequeno.
Mas o homem com a escolha nas mãos, não pode sequer pensar-se pequeno.
O VERSO
“Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiarem na noite, as palavras.”
DRUMMOND
Plantas ao pé da tristeza indócil,
o desequilíbrio entre a face e a outra,
o indício.
Jogas ao precipício as flores do susto que a vida remete ao que ainda vem, em surto.
A pele que rasga, no papel, o coração, mais que processo, adaga e folia, comoção.
Um beijo de mote. Um soluço léxico. Um verso na noite, que pulsa, rebate lítico.
Plantas, mas não colho dentro da hora vernal, posto ser indelével, Segunda Vinda, vergel.
Faço desta palavra pingos de chuva, na busca zelosa e infatigável da chave.
Jogas ao precipício as flores do susto que a vida remete ao que ainda vem, em surto.
A pele que rasga, no papel, o coração, mais que processo, adaga e folia, comoção.
Um beijo de mote. Um soluço léxico. Um verso na noite, que pulsa, rebate lítico.
Plantas, mas não colho dentro da hora vernal, posto ser indelével, Segunda Vinda, vergel.
Faço desta palavra pingos de chuva, na busca zelosa e infatigável da chave.