De negros olhos
salta um olhar lascivo
sobre o batom da noite.
Um rosto inefável assalta
a minha frágil memória
e fere como um açoite.
É a distância que separa
da pele, da voz, do corpo
e de beijos nunca tidos.
E fica, solta, uma imagem
na lembrança que cala
mas inflama meus sentidos.
2004
O Rito
ou o
Mito?
Será o Benedito?
12.2.22
Eu amo te amar da forma que te amo.
Eu amo amar a tua luz que inunda todo o meu ser.
Eu amo amar o teu amor que não guarda tamanho.
Eu amo te amar sem quaisquer paredes.
Eu amo te amar quando conversamos
e me respondes ao teu modo.
Eu amo te amar quando me ensinas a abandonar-me.
Eu amo te amar quando eu te chamo a qualquer hora
e tua presença, como raio, desce ao meu coração.
Eu amo te amar quando me preservas esta nova vida.
Eu amo te amar quando me intuis do que seja a outra vida,
maior, como ida ao teu encontro, enquanto eternidade.
Eu amo amar-te.
12.2.22
2.2.22
No meio-fio, um pequeno e lindo passarinho marrom,
não levanta voo pela minha chegada.
Seu nome é natureza, advinho.
Fico imóvel para que não se quebre nosso laço de confiança.
Seus olhinhos fixos em mim projetam-me algo
maior, que por defeito de ser humano,
dou o nome de alegria comungada.
Neste momento único e diáfano, percebo
que todo o meu corpo se harmoniza.
Sigo meu caminho
e meu amigo de olhar crístico
volta a procurar seu alimento.
.
18.10.21
Qual o tamanho do mundo? Do nosso mundo. A cada livro que leio, cada viagem que faço sinto que meu mundo ficou maior. Em vez de alvoroçado, cai-me o cinzento, porque cada lado de meu mundo que cresce, fico mais só. A solidão é a linha paralela que corre junto e se intumesce como um cão fiel. Tornam-se insuportáveis a cada excursão. Fui cercado, amado e beijado quando andava dentro de um mundo menor, paradoxalmente parecido com uma roupa folgada, de colarinho de palhaço. Meu mundo cresceu e encostou à minha pele. Constato o desejo voraz de que meu mundo se adelgace e se torne o menor dele.
17.10.21 – A CASA
O canto da corda do violino
dava vida ao insólito rádio
mas demovia a alegria da sala
que abocanhava a solidão.
A janela de madeira pedia
que a deixassem beijar o sol
e espalhar o som; quem sabe
a claridade não trouxesse olhos?
Um absorto enigma no olhar
da foto da mulher de coque e xale
no canto do papel de parede
choroso de todas as tardes.
Uma porta que há muito não range
nem permite passos adentro.
Uma porta fechada à rua.
Uma porta que cerra a vida.
Uma casa de toda ausência.
Da completa falta de ar.
Uma casa de dor sem grito.
Muda, de pecados opacos.
Uma casa em mim, fixa
pelo tempo que me carrega
pelas vias de lembranças
superpostas em imagens
que não se desintegram
nunca, nem nas esquinas
nem nos bares. Deverei ser
esta casa para sempre.
.
20.1.07
não se diz bom dia
se adia
mas se atira nas costas da multidão surda
não se fala/não se canta
se desencanta
na dor que não é dor de arte
se diz faz parte
e o sorriso forçado à mão armada
não se diz mais nada:
ruído gutural que refrange que a vida é apenas
(sem duras penas)
pequena página virada
4.6.18
1
bocas do tempos
porta do dia anterior
arca de muitas horas
portfólio de ontem
na praia do amanhã virá uma garrafa cheia
enquanto espero, rio
2
rumo ao até não sei quando
a busca daquilo nem sei
até que as mãos transpiraram
num poema regressei
3
circulam políticos entre o povo descalço
usam pernas de pau de dois metros
altura ideal para sorrisos verdes
sem nenhum toque
quiça vômitos
25.11.14
PEQUENA GUERRA CONTRA O ENFADO
o mesmo passo
que já um dia surpreendeu
uso como volta –
vagar de propósitos
abandono de sequer um crisântemo que destaque
pitada mínima de azul inusitado
buzina com notas de danúbio também azul
risos que desancam rotinas
e puem a imaginação
voltar não é caminho
é regular só na gramática
sempre tem a cara de queda
de ralos que transbordam
outro cinema que fecha
o eclipse nunca visto
a rosa plástica envelhecida
voltar tem o sabor da penumbra
há (será?) um antídoto à espera
um estanque neste não ir
freio neste vazio de alma:
abandono dos óculos
dois ovos cozidos
o espraiar na cadeira da varanda
o cabo dado ao dia
o sopro forte nestas migalhas da noite
e a espera a morte de quem somente come claras
e sem sal
7.12.14
REFLEXÃO
a dor do tempo na velhice
sente-se como um deja vú
esquinas em sentido contrário
ao destino quando dobradas
uma via contra-mão
um dia
decide uma vida toda
nada sabemos de sim
nada sabemos de não
quando o tempo acenar
de longe – saberemos
sorrindo em talvez
ou neste próprio quando