ANTOLOGIA
TREM DAS
PALAVRAS
(2011)
Prefácio: JORGE HENRIQUE BASTOS
Capa: ANDRÉ COSTA
Diagramação do livro impresso: CAROLINA GODINHO RETONDO
Diagramacão digital: ALFREDO ROSSETTI
Página Web : alfredorossetti.com
Endereço Eletrónico : contato@alfredorossetti.com
EDITORA TAGARELA – Ribeirão Preto
Este livro é dedicado à memória de Apparício Lara Filho, amigo e mentor
Agradecimentos efusivos a Fatu Antunes e Mário Tadeu Ricci, amigos que possibilitaram este livro.
“Escrever é estar no extremo de si mesmo”
João Cabral de Melo Neto
Nesta Antologia estão contidos os poemas dos livros:
EM BUSCA DO VERSO (2005)
MUNDHOJE (2006)
O QUANTO DESÁGUA (2007)
ESSÊNCIAS DA NOITE (2008)
AMOROSOS (2009)
POEMAS 2009/2010
dispostos em cronologia inversa, verdadeiro trajeto deste trem,
que a Poesia, sombra galhofeira,
insiste em chamar de viagem pelas perdas e pelos danos.
PREFÁCIO
NO TREM DAS PALAVRAS Numa sucessão de ritmos, tons e experimentações estilísticas que revelam o equilíbrio poético, Alfredo Rossetti expõe neste TREM DAS PALAVRAS, toda sua capacidade criativa. O livro reúne poemas de várias épocas, demonstrando que o autor vem se dedicando a uma discreta pesquisa poética, como um estudioso que investiga sem alardes, sob a égide da imaginação lúdica. Alfredo Rossetti trabalha como o químico que experimenta fórmulas para atingir seu fim, a receita certa, a palavra sã. Explorando um variado leque de temas que vão da palavra amorosa à reflexão ideológica, até as inquirições ontológicas, como nesta passagem esclarecedora: (No sempre perco meu documento. A minha terra é esse momento) O poeta deve sempre procurar reproduzir o mundo, o tempo, as sensações de uma maneira que ilumine o leitor para fatos, à partida corriqueiros, mas que permitem reinventar as coisas perante as pessoas. No poema O MOVIMENTO DA ARANHA, Alfredo Rossetti condensa a imagem da solidão, num dos textos mais conseguidos do livro: O bar sem afagos. Sentados à mesa, os três. Um homem sem olhar, uma canção. e revolta, tácita, soberana dos dois, a solidão. Tal capacidade de capturar um momento e sintetizá-lo em palavras é uma das formas que temos para admirar um poeta, de criar um medidor interior capaz de mensurar a tensão que se reproduz em nós após a leitura de um verso: E a solidão obedece seu santificado de deserto O próprio poeta tem que se conscientizar do seu estar no mundo, dos seus limites e de sua pequenez: Me transformo, me moldo. Neste mundo de Deus me afiguro, me adpato. Nunca paro, e até o próximo segundo me reforço, estou apto. Alfredo Rossetti consegue atingir momento de real poeticidade, em que a sua condição reflexiva – inserto em todo verdadeiro poeta – produz passagens que poderiam ser os punti luminosi de sua poética: Somos uma eterna madrugada, quando falamos à sós. Momento em que buscamos a verdadeira estrada: a que nos leva para dentro de nós. A busca do sentido da vida é percebida através da compreensão metafísica. O poeta é aquele que indaga tudo o que envolver o homem, e daí tira sua parcela de beleza: O que foi antes passa a ainda é. Mas se o poeta tem plena consciência de seu estar no mundo, também está atento às mudanças ocorridas ao longo do tempo. É como este espectador lúcido que Alfredo Rossetti dá um salto processual indo da reflexão metafísica, para a reflexão ideológica, interrogando-se sobre as derrocadas das ideologias, os desencantos políticos. Neste sentido, o poeta mostra seu passaporte do homem interessado no destino humano: A foice foi-se. Virou ponto cego. Da foice à colhedeira ao martelo sem prego. A sua interrogação mescla desencanto com humor sem ser tendenciosa, pelo contrário, é enviesada pelo humor, seguindo uma tradição literária brasileira desde os modernistas: Enquanto o capitalismo enche o mundo de lixo e a incompetência comunista o homem de ilusão, a poesia me enche de preguiça sem qualquer pudor ou busca pela razão. Em TREM DAS PALAVRAS, Alfredo Rossetti inaugura uma linha poética que faz muitas paradas por diversos gêneros poéticos – poesia modernista, à maneira de Oswald de Andrade, poesia marginal, concreta, etc. – Mas a meu ver, é sobretudo na percepção do mundo que o poeta captura os fatos corriqueiros que se transformam em instâncias expressivas, e onde gravitam os momentos mais fortes do livro. O autor funda aí uma voz para si mesmo, instilando uma expressividade assinalável. Exemplo emblemático e característica primordial deste poema, lê-se no poema O VELHO G&E: O ventilador da biblioteca traça, em pêndulo eólico, um mapa invisível. Distribui seu aceno simbiótico entre livros. Emite um grito que o vento abafa, enquanto uma flanela encalmada acaricia sua aranha ferrenha. Gotas de um óleo balsâmico o revigora, mas abisma a poeira amiga, que o afaga nas noites sem sopro, de silêncio consorte. E assim, efígie do tempo, aguarda a sua condição humana, quando a manhã o torna poesia. Sua linguagem é sucinta, transparente, surpreendente. E todos devem receber com prazer o convite para essa viagem que o poeta nos convida, com o poder de sua linguagem poética. Jorge Henrique Bastos /////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// POEMAS DE 2009/2010 A BUSCA busco um caminho não só caminho mais que ir defluir busco um papel não de papel antes carne lápis e cinzel busco o livre da liberdade da palavra que grito encrava busco o fim antes de fim meio vital soro centeio busco o poema que antes de poema sou eu IDENTIDADE sou de uma terra que não mudou de nome nem o telefone mudou minha cara nela uma terra de conceitos próprios, sem desvios móbil e contumaz feito rio a terra do homem que se ri porque se enrica se reza pela vida terra bonita de ver sentir, beber a força do campo e benfazer mas uma terra que ficou distante me fez errante e me interroga terra que roga pelo meu interregno o nunca estar no quando falado no que herdado a terra zomba sem saber do que me tempera e fixa sem o gracejo que me faz assim: meio barro e jardim terra que erra e me desterra ao vento e janela dúvida e quimera sem paz e guerra (no sempre perco meu documento a minha terra é este momento) O ESTRANHO dentro de mim um alguém me tira do sério um alguém-mistério me traz o oco um alguém-sufoco não me repele um alguém à flor da pele não me escuta um alguém-cicuta coro do instinto um alguém que sinto que não me zela e me cora dentro de mim como um alguém de fora O LIVRO DA NET ”os homens criam as ferramentas; as ferramentas recriam os homens” M. MCLUHAN ”Este mundo (pressinto) vai se tornar terrivelmente chato” DRUMMOND leio um livro adensado em kbites leio o livro que não se desarranja não fica sobre a mesa não fica sob a cama nem esparso contorno livro lá da terra que esbanja o não retorno livro sem marcador da marca do seu tempo livro sem coito filho do depois que a humanidade desapareceu numa nuvem espetacular em Maio de 68 RUÍDOS MUDOS sou o grande amor da solidão seu anel de grau seu rosário sua caixinha de música me reparte durante o dia ao sol, em qualquer horário resta-me a um canto silente povoa-me de bocas risonhas entoa cantigas não minhas encontro cativos de ladainhas afastamento e solidão olhos desprevinidos lassidão, ruídos mudos transidos e eis que o nada, príncipe destes tempos, surge MOTO PERPÉTUO ”meu Pai trabalha sempre e eu também trabalho” João 5:17 me transformo, me moldo neste mundo de Deus me afiguro, me adapto nunca paro e até o próximo segundo me refaço: estou apto se a obra do Filho e Pai é incessante sou desta força o que replica: o tudo ou o nada mutante ontem à noite um espinho, hoje um inhame engrenei-me no universo um gene que aprende magnitude deste came não busco entendimento nem oro a contestação mas curioso (poeta) o que se evoluiu a ser meu coração O MOVIMENTO DA ARANHA O bar, sem afagos. Sentados à mesa, os três. Um homem sem olhar, uma canção, e revolta, tácita, soberana dos dois, a solidão. De homem a retrato. Acinético, ensaia respostas à dúvidas. Em vão. A canção, gitana, malquista, de notas decaídas, traça linhas entre paredes sem saídas. E a solidão obedece seu santificado de deserto, ao permitir da aranha a lentidão, posta como único cenário movente, quase desafio. Estanca vidas outroras inteiras num copo vazio. POEMA PARA O BADEN Em seis cordas, o Brasil triste de outono, deslinda-se cafuzo. No violão retinto, na adoção do pecado no grito de Vieira, emites o chamado noturno aos versos dos condores. Consolação da noite, evocas o silvo ábrego, em auriverdes tendões em tempos agora de convés, onde apuras meu sangue e contorces pequenas lágrimas vertentes aos teus pés. A MOÇA DO BANCO DO JARDIM Mais que a saia as mãos na testa como pérgula. no pulso dourado barbante raro. Nós e fitilhos.
E arte se completa no artefato. (Meu coração é que doura em sorriso. Salta em mim o outrora, convidado à revelia.) A saia ao sol enciúma a tarde. Passam Dois mil trezentos e setenta e dois olhos que olham, sinto. Olham como se fosse de Marte ALIMENTO Um pardal no meu jardim de cimento, biqueiro e visão que enternece. Ignora e dele a angústia eviterna pelo minuto de um sorriso que nada evoca. Quer um alimento e nada transparece em súplica ou bramir. Sem sombra de tédio, na irrequietude de um corpo são, e no do meu despertar efêmero, é tosco de jardim. Frio de cimento. Vem e fita grãos espalhados, ordenados pela natureza, que na maneira do pré-saber, oferta. Logo, ilusão, desvanece. E um abismo na tarde recolhe as sobras CAMINHO ”Poesia e política são demais para um só homem!” TERRA EM TRANSE – Glauber Rocha O poeta é o dono do seu pensamento e pensa repartir sua luz na palavra não palavra. A que, fina e repressora do que se entende à primeira vista, ao primeiro demão. A poesia, estado de viver se exteriorizando, tem o afã de apregoar o infinito. De resto, apenas uma vida que se borra. O MARCADOR DE LIVROS coloco em meio às páginas de Drummond Maiakóvski bem em cima do Áporo no encontro poeirento da entomologia desconforto que passa ao largo de estantes tediosas entre travessias angustiosas um olho que não se deixou-se matar amanhã ele (o olho) iluminará o caminho do meu olhar na volta infinita ao bosque da poesia TERRA Terra não é só chão onde esteiram nossas sombras. Não só punhado de terra areado sobre mortes. Terra não é só sonho alimentado por posse, distante de qualquer coisa que se imagine no fim do que não se enxerga. Terra não é pátria nem o amor por ela. Nem o berço celebrado ou história que se guarda Terra planeta girando no abismo é filha do nominalismo. Estas Terras não são a Terra. Terra é a impossibilidade do que pensa sobre a Terra. O que nunca será. O desejo da surpresa de onde atracar. O insabido, onde buscar. Terra é um infindável desterro dentro de nós. O GOSTO QUE SE DISCUTE O homem olha o Universo: sente-se pequeno. O homem ouve um pio na mata: sente-se pequeno. O homem sentado na praia: sente-se pequeno. O homem diante do tempo que contam os livros: sente-se pequeno. Mas o homem com as escolhas nas mãos: não pode sequer pensar-se pequeno. O VERSO ”Repara: ermas de melodia e conceito elas se refugiaram na noite, as palavras.” DRUMMOND plantas ao pé da tristeza indócil o desequilíbrio entre a face e a outra o indício jogas ao precipício flores do susto a vida remete ao que vem o surto a pele rasga no papel o coração processo – adaga e folia comoção um beijo de mote – um soluço léxico verso na noite pulsa e rebate lítico plantas mas não colho na hora vernal posto ser indelével – segunda vinda vergel faço da palavra pingos de chuva busca zelosa e infatigável da chave MOSCAS E RESMUNGOS quando menino olhos de radar olhar de redor olhos de não dormir quando menino espreita de ossos e sem que tivesse um telefone a tocar quando menino a espera sem sal música a bailar
sem passos de cem do tango universal quando menino moscas e resmungos muro de pedra escada trêmula esquina e fungo quando menino o que se era não era para ter antes (quem lembra quer sorrir quer festejos e nozes quando o depois tem algo como o rio que segue adiante quando menino a lesma pós chuva era a irmã o amor doía e chuva queria toda manhã quando menino muito cheiro de vida cheiros e rimas credos e bueiros quando menino pior que a morte o olhar penitente a face da cruz quando menino esmoía de frente com visão de goleiro as frestas de luz VÍCIO DAS CINZAS ”Como em turvas águas de enchente, Me sinto a meio submergido Entre destroços do presente.” MANUEL BANDEIRA Pontilho um sorriso de entardecer no filamento de uma lembrança que agoura a chamuscar o momento. Acontecimento que se debate. Ponte arcada soçobrando o tempo a estreitar arranjos impossíveis, a vasculhar sôfregas tentativas de renascimento, parcos consertos, bandagens no feito, tolos reparos. O que foi antes passa a ainda é: perfume de hoje, espinho fresco de ponta acerada, arraigada. Flama no segundo dorido, sem fim que se espera, acalora ou alivia posto ser tempo que não se divide. Brota em mim o desejo de cortina eterna a exaurir o vício das cinzas. A VELHA BANDEIRA Lá vai o cabelo desalinhado, gris e nazarita. Lá vai a camiseta sem manga. Lá vai o desafio andante assobiando Hey Jude. Lá vai nubívago, entre pernas e fones de ouvido. (Tudo na rua é colorido, menos ele, traço em nanquim) Lá vai e passa com o que passou. Lá vai um tempo embaraçando outro tempo. Lá vai o velho hippie agarrado a galhos de seu sonho. Lá vai, sem cair. DEVASTAÇÃO penso na região do Araguaia: lona de ringue sem beijo civilização maia impotência sobre o desejo rastros apagados veneno de tocaia ameaça terminal mastros quebrados livro do século XVIII com traça edênica querência abrasada amanhã pensarei sobre o nada HAICAIS o raio de luz dentro da noite flutua partilha da lua fugaz, viça e cai maneira da cerejeira ser flor samurai CASA DE ONTEM porta de entrada imagens do infinito soberba do tango passagens e grito vento pequeno – avencas quintal e a estante posto que pouco fica vago coração distante NOSSO AMOR queres que seja dor? então vem lenta e vem assim como quem tenta se puderes traz sal e pimenta a água deixe na lua – que fique benta se vieres anda como gato procissão folhagem sem unhas sem o suor de última viagem se queres sê a dor mas não a de ferir a dor raiz – a dor do só dor a dor do jeito que nem a dor gosta a dor que intervala (nem sempre disposta) a dor, se queres ser, a crua ao relento se queres cinza pinta a aparente dor da gente – a dor cavada mina de prata, escora, semente. ENCONTRO quero adormecer neste abraço quentar a vida neste toque revoar como pipa multicor segurar essa forma no espaço outro verso outro eclipse noutra dor invocar o sabor deste entrelaço e ungir o que virá no cumprir do arquétipo que adeja e ver o estilhaço desta placidez sertaneja desflorescer na volta a um tempo de cansaço POESIA ANÊMICA desenhados em giz apagados em giz fáceis em giz lá vem festejando o trem que nunca virá nunca será não sairá nem passará pela estação de quem espera de quem suspira de quem pode marcar se marcar se redimir através de um lirismo que se desbota a cada passo do que não se move lá vem festejando o projétil fosco cheio de gentilezas mas ignavo afebril versos de brancos dentes versos que se iludem não reativos vesgos palavras vulgocráticas desistentes do poder de seu mistério VINAGRE a foice e o martelo o que ficou: que se pensa no livro de história livro de estudar chato de ler morta memória uma quarta de cinzas um pobre samba meu onde está? escafedeu a foice e o martelo medrou assustou assustou-se empobreceu entrou pela goela ninguém fala mais libreto de ópera ou virou mortadela nem na net
nem no prelo a foice foi-se virou ponto cego da foice à colhedeira ao martelo sem prego quem sabe ainda volta logo depois do banho com roupa mais jovem e outro tamanho a foice e o martelo um sonho paralelo CONTO NUM POEMA Ná sétima cornija, num dia de garoa como todos os outros, encontraram-se na ladeira do Verso Manco, sobriamente vestidos, timidamente viventes, Carlos Drummond de Andrade e Fernando Pessoa. O Carlos, ao ver o outro possuído de Mestre Caiero, quis ser mineiramente gentil, dizendo logo um verso: ”sou um homem dissolvido na natureza, estou florescendo em todos os ipês” (1) Mas o português, com vontade de vicejar em outros mares ou riachos, de forma deseducada, foi embora num estremecer corpóreo. E apareceu o Fernando, que após sacudidelas, ajeitou os óculos e pouco solene, murmurou ao colega de grandeza: ” – Vou ao Abel!” (2) 1) Versos do poema Tempo de ipê, de Carlos Drummond de Andrade. 2) Frase dita por Fernando Pessoa, várias vezes ao dia, no escritório do Sr. Moitinho, onde trabalhava de tradutor comercial, quando saia para beber um trago de aguardente. A ONDA ”só as ondas se sucediam, em cada onda o mar se despindo sem nunca chegar a nudez” MIA COUTO Sou invadido por um tempo perdido. Onda mansa que atinge o fim da praia. Demora a voltar, querendo ficar. Traz consigo a incerteza da notícia dentro de uma garrafa. Molha-me. Esfria pretensos mergulhos. Nada grita, nada mostra; corrói. E a dor que porta, distribui de sorrisos nos lábios Quando a temo infinita, esvai-se. E com o rosto ao sol, respiro novamente na confluência do marasmo de hoje e um acorde beatle imorredouro. O VELHO G.E. O ventilador da biblioteca traça, em pêndulo eólico, um mapa invisível. Distribui seu aceno simbiótico entre livros. Emite um grito que o vento abafa, enquanto uma flanela encalmada acaricia sua aranha ferrenha. Gotas de um óleo balsâmico o revigora, mas abisma a poeira amiga, que o afaga nas noites sem sopro, de silêncio consorte. E assim, efígie do tempo, aguarda a sua condição humana, quando a manhã o torna poesia. A POESIA 1. A poesia traz água para quem não tem sede. A poesia alivia a dor que não se sente. A poesia verte água que se singra e o bálsamo que suscita. A poesia assoma o que está sob pedras do aflitivo dos dias. Atrás dos portais do efêmero, do raso. O sorriso alardeado na manhã nascente de tristeza, lágrimas escoadas em meio a festejos de amor, são outras sedes, outras dores, alteadas no momento em que a poesia cava a nossa alma. 2. A poesia acolhe-se à margem do aquém mundano, Sai em busca do não-comum além cigano. Sem garras (já se disse nas sombra), nem masmorras, súbita aparição do usual, antinatural, provém o homem de outros braços, outras rosas, novas pernas, laços, forjas, outro mundo que não se vê direto, claro, enquanto suporta a tralha que de vida escorre. Com versos revogados no peso dos dias, a poesia, díspar, manancial e arte, não trabalha nem morre. 3. Cordata, a palavra aloja-se tranquila, mas inócua. Assenta ao branco como um leito. Quieta, sem presságios. Corto-a ao meio, desalojo-a tangente. Ela renasce em calor e prova da missão lírica sem suspeição. E mesmo menor, ínfima de espessidão, prova do destino de gestar o poder de afago que o papel domado e silencioso jamais sonhara. 4. E o verso nasce, sopra. E contém aquilo que não se espera, não deixa que se vergue. Não permite a afronta e se cristaliza como águas das chuvas que caem, escorrem e são levadas, amor fati, sequentes, sábias no seu caminhar Não importa muito a fugacidade. O momento é viva, motor e arrimo. Brota, serve e adormece feliz. Dentro de cálices de estrelas, compartilha o espaço com a grandeza e a loucura, junto à toda poesia do mundo. 5. Versos, têm dois. O da hora marcada e o outro, fértil. que nos desencontra. Do verso que se espera é um só fingir de belo. Verso vaticinado, no patíbulo, amarelo. Mas os pais de nosso delírio, o inesperado, este que é turba, saltimbanco, em nossa alma joga dados. Verso que não se rende ao adivinhar da mente. Verso que sempre assalta, fustiga, que se sente. Improvável, inaudito, que dói mas alivia. Se não puder outro nome, que lhe chame poesia. LEVE FANTASIA ”Já que nesta gostosa vaidade Tanto enlevas a leve fantasia” CAMÕES – Os Lusíadas – Canto IV 99-2 Não se retira o medo do amor ao mito. E passam anos, séculos e se enaltece Sempre a busca do poder infinito Que o homem à bula envaidece; Salta sobre escrúpulos sem rito, Morde ouro, crava dentes, se esquece Do brilho da estrela que o governa E se morre, deseja a glória eterna. O homem é o mesmo do ruprestre. O mesmo cego da Idade Média. Mata o que respira, o silvestre; Coloca os seus muros na ideia Que ter é a essência de um mestre Da vida e da luta em alcateia. Nada foge de sua cerimônia, Nem a divina mata da Amazônia. Mesmo com o sessenta, flor sonhada, Nada restou em nada que se ame. Estamos na caverna, qual morada Do sempre, sem que a luz do céu derrame E nos traga a redenção esperada Ou que a irmã Virtude nos reclame. Mas sabemos: o tempo envelhece E a religião nada leve tece. Que também singra em busca de seus mares, Mas de forma estrana, nos ensina Que a pobreza de seus antigos pares, A boa nova que não mais fascina É o que permeia sempre nossos ares E arrecadar mais é o que determina Ao homem buscar valer sua sorte E enquanto vive, vive a eterna morte. Não se ouve o brado do velho louco Porque ele já não há neste destino. Tentar novos gritos é muito pouco Porque fomos forjados em desatino, E as nossas vozes neste timbre rouco Jamais terão a Graça do menino Que trouxe o amor, mas deixou dilema: Poder amá-lo sem ler seu poema. ////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
AMOROSOS (2009)
Dedicado ao cantor e compositor Roberto Carlos, que influenciou estes versos.
”Mas quem é esta misteriosa que é como um círio que não se apaga crepitando o peito?
Essa que tem olhos, lábios e dedos dentro da forma inexistente?
VINÍCIUS DE MORAES
ESCURIDÃO
”Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo”
SOFHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Amamos a pele buscando o sonho.
Tentando sublimar o espírito,
entregando-nos por inteiros na exigência da posso de que amamos.
Amamoso tempo todo em frágil teia.
Espreitando portas,
auscultando sinais,
espremendo a emoção.
Amamos o tempo todo em receio.
Amamos a vida inteira no escuro.
Amamos o curto tempo de certezas.
Amamos para sermos inteiros e acabamos sempre aos pedaços.
Amamos muito, até à exaustão.
Na surpresa do desamor, recolhemos retalhos e os cozemos com lágrimas
E aprendemos que amar não é senão duvidar.
E esse é o mistério que nos move.
Depois, apartados do que não entendemos, seguimos em frente
tentando nos agarrar naquilo que nem sabemos mais o nome que tem.
Amar é usar o verbo que apenas se diz, nunca se fala.
Amar é incertar.
Não te quero minha.
Não te quero com um presente.
Não te quero como uma flor que se colhe,
olha e guarda entre páginas de livro.
Nem te quero em minhas mãos,
aprisionada de paixão.
Tampouco quero-te divina, inatingível,
a dona dos meus versos.
Quero-te apenas como a madrugada quer a aurora.
Para reviver-me com os raios de sol que nascem de ti.
Quero-te assim: canção da manhã.
Para que eu possa saber que existo,
enquanto me iluminas.
Parto em tua direção
mesmo sabendo que estás distante.
Mesmo sabendo que entre nós há um vale
se sonho distante
Parto em tua direção
como quem busca um diamante
Mesmo sabendo que jamais
ficarei perto de teu sorriso iluminante.
Parto em tua direção com desejo de renascer,
nem que por só um instante.
Parto em tua direção e navego em ti
pela lua, nesta viagem delirante.
O que é, afinal, este amor
que cada dia que passa
ao meu coração proclamo?
De onde veio, onde brotou?
Numa noite de chuva
ou foi quando o céu se estrelou?
Veio pela colina do tempo
ou escorreu por esta solidão
de que tanto reclamo?
Apareceu em mi
ou nasceu aqui mesmo
num verso que nunca declamo?
Não é necessário resposta
quando me sinto feliz
com essa lágrima que derramo;
mesmo sabendo que de onde veio,
o vento afasta qualquer dúvida
quando penso que te amo.
Quando penso em ti,
lembro a figura de um pássaro azul,
celebrando a vida com seu gorjeio.
E assim, voas e me carregas junto.
Vamos até a mais alta montanha,
entre escarpas perigosas,
onde me tiras qualquer receio.
E percebo a verdade única,
que teu olhar de silêncio
murmura: que teu amor
é um campo de esteio.
Depois, pousas em meu colo
e me tocas levemente
e o mundo se aninha como criança
da doçura do teu seio.
O que é o longe para o pensamento?
Que é a ausência para o coração?
De que forma sofrer se temos a lembrança?
Os mosaicos de momentos já nos perpetuaram
juntos, colados como um beijo de amor.
Se vivermos pelo menos um só instante
já temos uma vida a celebrar.
Se falta um contato de pele,
sobra, dentro de nós, a ternura do sorriso,
este de uma saudade ao redor, dançante
e efusiva; saudade de fechar os olhos
e poder ver; este sorriso de recordar.
A distancia apenas separa o corpo,
nunca a alma.
Nesta noite estou contigo.
E conto nossa história
a um estranho amigo.
Conto de nosso jardim
que imagino seja
onde plantaste amor em mim.
Que teu rosto de agora
é uma pálida lembrança
nas sombras desta hora.
Conto com impaciência
que o passado arde
na flor triste de tua ausência.
A palavra sai pura,
meu pensamento voa,
atrás daquela ternura.
O que resta de nós dois
é um eterno depois…
Se te peço que venhas, não fiques no inverno.
Chegues ao meu jardim e veja minhas mãos pedirem-te flores.
Se te peço que venhas, não desejes a noite.
Imagine minha dor, filha pródiga, esperar-te o pouso.
Se te peço que venhas, não ponhas roupa nova.
Espero na sanha do dia, fuga de sonhos, ver-te inteira.
Se te peço que venhas, não roubes a rosa.
Deixe que eu te perfume na saia da madrugada quando chegares.
Se te peço que venhas, não digas nada.
Deixe que meus versos, não digas nada.
Deixes meus versos receber-te, cálida, funda e serena.
Se te peço que venhas, deixo-me por um instante.
Só voltarei a existir quando aqui estiveres.
Linda e bem-vinda.
A ar é ter-se.
Amar é rir-se.
Amar é saber-se.
Amar é seduzir-se.
Amar é cheirar-se.
Amar é nunca doer-se.
Amar é acamar-se.
Amar é amar-se, com um travesseiro em nossa cama.
Amar é não explicar-se.
Talvez, antecipando o tempo, encontro o paraíso.
Muito mais que conforto, a sensação de descobrir o bem preciso.
Penso estar louco, mas não, lá está ele, soberano e luzente.
Na emanação do seu sorriso.
Teu olhar entra em mim e tomas posse do meu dia.
Como um beija-flor buscas a vida no meu resto de alegria,
que reparto na noite ninfa com a tua fotografia.
Naquela árvore dança a folha.
Quem ama não de e deixar que a colha.
Mas, caso seja um coração, afague, recolha.
Névoas no sentimento quando a noite já vai alta.
Procuro relembrar tempos que sorria com você
e não havia esta dor que me salta.
Como não querendo entender que descaminhos existem
não tenho outra saída senão pedir-lhe perdão
por sentir tanto a tua falta.
Na noite, procuro o sono.
Olhos cinzas, flor do mal, abandono.
Ao sentir que estás aqui, dissolvo-me
dentro do quarto e me emociono.
Aí, tu te transformas em chuva leve,
folhas de outono.
Um pássaro triste na janela logo cedo.
Penso em tua ausência, morro de medo.
Outrora, apenas sorriria, quando rochedo.
Mas, agora, escravizado que sou, sofro em segredo.
De nada adianta esconderes algo de mim.
Teus olhos contam.
De nada adianta não me contares tuas vontades.
Teus olhos te devassam.
De nada adianta reprimires teu afeto.
Teus olhos me dizem de forma clara.
De nada resolve te manteres calada.
Teus olhos conversam comigo.
De nada adianta só me dIzeres não.
Teus olhos discordam de ti.
De nada adianta me negares um olhar.
Teus olhos já se instalaram dentro do meu coração.
Sobre você no porta-retrato pousa um besouro.
Não sei, inseguro que sou, se é bom ou mau agouro.
O instinto de apego bate forte
quando percebo que posso perder meu maior tesouro.
Da tempestade, dizem, viceja a bonança.
Do amor que se vai, nasce a lembrança.
E o amor que há de vir, cavalga a esperança.
Ensaiei a sinfonia do Sol, mas escureceste.
Voei os mares gregos, mas estancaste.
Busquei a jazida do azul, mas escureceste.
Atravessei a linha de toda uma vida, mas desamaste.
Teci a aurora das cores, mas defizeste.
Plantei jardins no mundo, mas não vieste.
Cuidado com o amor descuidado,
mesmo com cheiro de baunilha.
Acaba nos deixando sozinhos
como a dor de uma ilha.
Nao pode ser amor
o que nos ata ao chão
feito armadilha.
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ESSÊNCIAS DA NOITE (2009)”Mas esquecemos. O dia perdoa”
Carlos Drummond de Andrade
SINOS SILENCIOSOS
Porto no bolso a espera
na síntese do que emboca,
a cada dia que deslizo
dentro de seus mares.
Que rejeita os sinos
os fogos e o gozo
que morrem em véspera
do que me anunciei.
Tudo se posta tarde,
passado e côncavo
na saudade de mim
qiando nunca fui.
Um espelho torto,
dragão e fomentador
nem me reflete
nem me abjuga;
apenas mostra um rosto
que fustiga o que de mim
escorre e não deixa
nascer o que me conclui.
NOITE PASSIVA
A noite que não é negra
é noite sem entrega,
sem presságio de noite.
Noite sem refrega.
A noite que se nega
é a noite de meio termo,
sem tango, que desmaia.
Do que não é enfermo.
A noite que não se regenera
é noite que não se ouve,
silêncio que não se grita.
Grito de garganta fria.
A noite que anseia o dia
é a noite que escapa,
círios que se apagam.
Bola na caçapa.
A noite sem defeito
é noite com trégua.
Algo que não se mira,
noite do não feito,
noite sem escravo,
sem soluço, sem medo
Que se cala e não crava
Unhas no degredo.
Noite que termina,
que fisga espaços.
Nesga pantomima.
Noite aos pedaços.
CHORO NOTURNO
”Eis porque minha alma ainda é impura”
MÁRIO DE ANDRADE
Longe de ti.
Perto de ti não respiro.
Sofro pela inépcia da noite e teu pêndulo.
A que chamas amor – noite vem, noite não.
Pela lógica que é minha e que passas remota.
O não entendimento é quase gráfico,
subalterno a todos os argumentos.
A prisão ao cigarro não é nada free.
Bebo o prazer de ter dor e a fumaça.
VERSO DA NOITE II
Frívolo cantador de suores distantes,
desvendo o que refuga num poema arrepanhado.
Ante a flor de pétalas dissonantes, se cismo,
retiro do pulsar um abismo de estupor
da angústia ávida pelo fado.
Um salto em torno da vaga por mais alto
a paliçada da trajetória aflita,
cumpro e excluo da madrugada o calor
de que não sei se desdita e encaro
a dor do nada que dentro de mim se agita.
É quando um verso que não morre alteia
o que está imerso, e na cisão da falsa teia,
salta e à pena ensina: tudo isso que escorre
é o viver na noite finita, que me abrange
como um lago que socorre e ao se enfeixar
com o alvorecer, se jardina.
E como espectro de mera fita, declina.
ESTRELA INCÓGNITA
A insegurança irrompe-me em qualquer lugar,
em qualquer segundo.
Mas uma estrela de tutela indecifrável,
irradia o sim fecundo.
Uma espécie de aragem de sorriso aberto.
Mãos que ameigam e me trazem de volta ao mundo.
NOITE TRANFIGURADA
(Visitando Shoemberg)
Vários tons
de cores notas e ânimos
vão somem voam vêm sobressaem do limbo.
Então tecem
vários tons da noite.
Noites adentro de vozes
desarmoniosas
em perfeita harmonia de vários humores
pecam afligem sangria da paz
quiçá flores.
Vários to s de fixas regras
irão tornar o único desejo reflexos
apanhas
entregas negras de
vários tons que colhem do século tecidas curas.
Feridas puras.
Grito no pedestal do seco abissal.
Ciclo onidirecional.
Banza fúsil em ternuras.
NOITE ALUCINANTE
Potros ao vento,
signos e sonhos,
portos e caudas;
suores medonhos.
Sono de pedra.
Alma ruprestre.
Jaula na noite.
sem viga mestre.
Luar desbotado,
palavra não lida.
Boca fora do tom.
Data vencida.
Beijo estranho
na morte doída.
Alçapão que indica
sem saída.
Inferno, pária,
morsa e aluvião.
Deus inafetivo,
filho de Abrahão.
Amnésia e partida.
Lua de botequim.
Cheiro do riso:
o prazer do fim.
NOITE SEM FIM
cruzes em pé
espada flamejante na beira na costa
sono delirante
criança amendrontada
fixas ondas cortes rápidos – fixas ondas
viagem interior
vaga atormentada
tapas de cima de lado – do outro
cálice de ouro cheio de incenso
um coro
besouro (imagem cimentada)
cruzes em pé
espada flamejante no dia aziago
nunca terminante, nunca fica o nada
peça de couro vira chicote na plena noitada
vaga chicoteada
declive no quando confete e serpentina
mesmo saudade
mesmo sem retina
declive tesouro
descanso do cálice de tapado
de outro sopro que anima
cruzes em pé
espada e dardo
tarde e noite
chaga e fardo chega e sai
nunca que cai no quase soluço
madrugada se esvai
MALUCO REALEZA
Raul é tão eterno quanto seu nome ao contrário.
FÉDON
noite escura
noite clara
a morte procura
a sabedoria aclara
noite escura
noite clara
o plenilúnio perdura
o triste enluara
noite escura
noite clara
a espera pelo sol tortura
a eternidade ampara
noite escura
noite clara
o noûs abjura
o veneno da tara
A ESQUINA
Ao amigo Mario Pinheiro de Carvalho
A esquina era aquela;
sonho e esquisitice de risos sem futuro.
Era da cidade, mas a esquina era dela.
E nos possuía nas noites em que tentávamos o fardo de viver
descobrindo sustos, despavoridas inquietações,
que se agarravam na essência da fúria probabilista.
A esquina era bela.
Onde sentávamos com o cigarro sem fósforos,
esperando o fogo da juventude aclamar mais um dardo atingido.
A esquina era sequela
aos tempos e vidas incontáveis, de vidas de passagens,
passeios e tristes fracassos e buscas por tentar entender o pão do dia.
Mas a esquina não era ela.
Era a que abrigava conversas sentadas,
madrugadas de um espinho camaleão,
de jogos interiores de cada um que recusava o passo,
antes o estilhaço de se ancorar no insabido.
A esquina era viela.
E por mais espaço, era própria de um pequeno mundo
de pequenos mundos, esconderijos de todas as sensações
em que éramos das cavernas, das inquisições,
do encarte positivista dos pais,
da dormência obliterada de uma fálica nação
sempre a servir-nos uma espera fria,
que, mágica, transformava,
em momentos de esquiva, a esquina em cela.
No meio-fio, rutilantes entraves insinuavam ambições
do que era o próximo segundo,
do que nasceria no amanhã,
no que fiaria nas nossas mentes,
nos livros, nas repetidas conversas, nos filmes,
na canção gratificante de um tempo rico de canções,
maiores que o próprio tempo,
que não deixaram a esquina ser mazela.
A esquina era a cancela
para todos os lados do vir a ser
ou para o alto da escada sem degrau ou rampa
para o acesso de tantos sonhos que,
só ao voar, chegaríamos em tempo de triturá-los
e experimentar o sabor de tudo que a vida,
hábil e dadaísta, proveria a todos enquanto peça
da humanidade que respira como alvorada onde está o tudo:
no meio da esquina paralela.
Nisso, íamos nascendo.
Enquanto o barro secava-se não ao sol,
mas ao cio da lua,
a esquina era a costela.
NOITE DE NELSON FREIRE
O piano angelita oscila
entre tangível e eldorado.
A mais sensível gota
de existência nos olhos do artista.
Pálpebras que remetem avisos.
Ao íntimo desconhecido,
via mãos grávidas da entrega.
Ao maestro:
cada segundo deve repelir o estatismo de viver.
Orbitam as retinas em maio à emoção
compartilhada com centenas de outros olhos
que esteiam o ouvido da noite.
Noite de música vista, descortinada.
Noite de cena final na lua da Casa de areia,
Noite de condão, diluvial.
Noite de olhos. Fixos, marejados.
SOLIPSISTA
A porta aberta, cigarro aceso.
Dentro da noite de dentro do escuro,
ruídos túrbidos atiram pedras no pensamento.
Sem clarão de lua a penetrar no espaço
do homem que vira bicho se não dorme;
que vira lixo se não se domina.
Aguarda-se o que virá.
Sem saber se virá, sem perceber se remirá.
Quanto mais a noite adentra,
mais a impossibilidade,
adventícia e nêmesis cresce,
para nunca mais desgrudar.
NOCTÍVAGO
”Yo solo describo el mundo. Estoy solo.
La soledad es amiga de los roces del cuerpo.
VIRGÍLIO LÓPEZ LEMUS
Temo que seja dor o que escondo
do olhar no espelho.
Temo que seja desta dor o enlace
da melhor parte: a de escombros
da noite, o do momento ateu.
Longe dos engates que o tempo traz,
a luta por paz nos alija da mandrágora,
que origina a delícia.
Frutificamos pelejas à espera da chuva,
a nos abrandar enquanto debaixo da terra.
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O quanto deságua…(2008)
“eu ia em mim perdido, em mim pensando”
DANTE MILANO
O rio carrega
seu silêncio triste.
Busca um descanso,
que jamais existe.
O rio e a alma
têm a mesma face:
o quanto deságua,
o quanto renasce.
(9.9.08)
A palavra fia meu rumo.
Tange minhas escolhas, me
efervesce. E quando noite
em mim, mesmo às vezes
pálida, me amanhece.
(23.7.08)
Os sapos cantam
na escuridão.
Os grilos também.
Poesia? Bandeira?
Não, apenas solidão.
(19.8.2008)
Estrela guia,
canção perene
da manhã, doce
Cecília, à esfinge
em ti me assemelho:
– qual de minhas faces perdeu-se em teu espelho?
(25.9.08)
Nova porta, novo labirinto;
me tonteia
como um cálice de absinto.
Mas o chamo de novo caminho,
mesmo sabendo que minto.
(21.6.08)
Trem de ferro.
Janelas de luzes íntimas invadem olhos da memória.
Passam açudes.
Passam açoites.
Passa a minha história.
(5.8.08)
Foge do labirinto
de tua falta de brisa
e do dia que não te nasça
revestido de festa.
Esconde de teu coração
este tempo que passa
e planta tuas flores
no tempo que te resta.
(7.8.09)
Não façamos projetos de casas,
barcos, apólices; coisas
que aterrem nossas vidas.
Tenhamos apenas asas
e incessantes partidas.
(14.8.08)
O olhar é um poema sem palavras.
Que não se lê,
nem se pode pegar.
Enigmático e brando
como um raio de luar.
(29.8.08)
Cavalgo ventos mais lentos
que a erupção do tempo
em que o mundo se pendura.
Perco em todas as trocas,
Carícia desbotada,
Sorriso que ainda se debate,
sou um necessitado da ternura.
(26.8.2008)
Não preciso de muito nos dias atuais.
Apenas o desdobrar deste momento:
colheita da vida
na seara do pensamento.
(25.8.2008)
Somos um eterna madrugada,
quando falamos à sós.
Momento em que buscamos
a verdadeira estrada:
a que nos leva para dentro de nós.
(15.8.08)
O leitor absorve
e se enriquece.
Enquanto o ledor compartilha
sua messe.
(4.6.08)
Na manhã de febre,
quero tudo que há no mundo de uma só vez.
Sinto-me repartido como nunca.
Um fone de ouvido me diz,
de forma reclusa, que minha alma
é irmã da alma de Zélia Duncan.
(1.11.2008)
Ah! Poesia,
noite singela e não vens.
E cansas o meu olhar.
Vem! Se queres,
traze-me o sono.
Só não me impeças de sonhar!
(21.6.08)
Não tenho medo do futuro.
Nem de ter esperança.
O que me estremece
e me tira do chão
está onde minha vista alcança.
(11.4.09)
Escrevo versos
para que o momento pretende.
Incoeso, necessita de rebites.
Sôfrego, arqueja ao lirismo.
Sou poeta porque
às marés minha alma tende.
(1.10.08)
Uma lágrima cai.
Aí se sabe que um ai
nunca é festa;
ai subtrai.
(8.3.07)
Ó minha ode pequenina,
toma-te da emoção
e beija (por mim)
o coração
de Cora Coralina.
(24.6.08)
Ao vento ciciante,
a visão me fascina:
gotas de chuva saltitam
numa réstia de luz
na água azul da piscina.
O olhar desperta a alma,
o instante me ensina.
(14.5.09)
Não preciso que morras de amor por mim.
Nem que me beijes como fera.
Tampouco me louves a cada instante,
em oração.
Não, não é preciso.
Mas se me disseres que um verso meu te emociona,
aí me sentirei amado.
Amado como nunca fui.
Porque meu verso é o meu coração.
(1.11.08)
22.
Neste pré-outono,
quero minha rede.
Pendurar delírios
na minha parede.
Não sei se o cultivo
pelo pensamento
deixou-me vontade
de florir pensamento;
mas sim a certeza
do inadequado
ao susto de hoje.
Tempo esquinado.
Não quero gavetas,
nem plantar remédio.
Eu quero o que ganhei,
Inclusive meu tédio.
Todos sonhos juntar
dentro do meu bornal;
o que ficar de fora
deste universo
que seja o meu quintal.
(17.4.09)
Não preciso senão de um soluço
e da palavra frágil mas direta
no instante teu em que me debruço
para mostrar-te minh´alma inquieta.
E se neste instante me ouvires,
nele serei teu eterno poeta.
(10.1.09)
Quantos são os arcados
da emoção.
O quanto se é.
O quanto se foi.
O quanto em vão.
(5.3.07)
O que não tenho me assalta.
Perdas ficam como um laço.
Mas não troco dias livres
pelo ouro que me falta
e sorrio sob versos
às perguntas que me faço.
(1.4.09)
Enquanto o capitalismo
enche o mundo de lixo
e a incompetência comunista
o homem de ilusão,
a poesia me enche de preguiça
sem qualquer pudor
ou busca pela razão.
(12.5.09)
Coisa esquisita, a morte.
Esquisito não estar mais.
Não ser mais.
Coisa esquisita nunca mais pensar.
Coisa esquisita a morte ser esta coisa tão viva.
Ser coisa, não ideia.
(25.4.09)
Soberana do artifício,
a mente escarça-se. Bulício,
poeira, chafariz.
Não há dia e nada fica.
Rosto ou cicatriz.
Hoje estou sem sintonia
como se fosse uma folia.
(27.8.08)
O sonho é criança.
Faz contraponto à vida,
mercê sua vontade.
E a vida faz do sonho uma pipa
e a empina na tempestade.
(4.8.08)
Da gaiola da minha vida
só se libertam meus sonhos.
Penso que um dia me levarão em asas da quimera.
Mas, fruto absoluto da dor, que sou, temo:
como viver sem essa espera?
(4.8.08)
Não mais escreverei.
Agora meu canto será o silêncio.
Se quiseres um poema meu olha meu rosto
Lá estarão todas as palavras que de mim esperas.
Se nada disseres
e apenas um sorriso irônico estampares,
terei teu olhar como um novo verso,
e junto cantaremos a poesia da natureza.
(11.11.08)
como fossem fortes ventos
a água do rio
e o tempo
roubam momentos
(3.12.05) //////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
MUNDHOJE (2006)
Em memória de Itamar Assumpção, criador (dos grandes).
Trunca-se
(tempo, temporais)
a vanguarda.
A poesia
(fogo, fornalha)
se resguarda.
temo-te tempo temo-te tanto
tempo do pranto temo-te
temo-te vento do tempo voltário
temo-te muito movente tempo vário
mundhoje
1.
a vida arrastada pela correnteza dessa era semovente. – sem um sibilo
a confirmar: os trilhos de ferro nunca mais se encontrarão para amar
2.
o mortal primata
toma o mato
extirpa o curupira
mata a mata
fazdeconta que respira
e expira
na sucata
3.
o mundo velho de guerra
acorda/dorme em guerra
o mundo do reclame:
um mitômano vexame
o novo mundo bytexpandido
cheio de bandidos
sobrou o onde
esteja o onde
onde o onde
se esconde
4.
o fuga-dor é ator
no mundhoje alterna dor
mais que fingidor gera dor
o monitor gera o fuga-dor
5.
só se fala uma fala
a fala mesma
a fala leite
a fala jeans
a fala TreVa trava a fala
a vanifala
afala as bocas
6.
o fast afasta a pausa
o fast afasta o pouso
o fast afasta o gosto
o fast afasta o aposto
7.
SOCIEDADE
SACIEDADE
11.03.2006
________________________________________________________________
ruidosos
moto passa por meus ouvidos
porta de entrada
à baila da emoção indesejada
a não calmaria desavisa que nada
mais é antes
nas ruas em que rodas triunfantes
freiam a vida – que enfeia
o olho de vidro do ruído ateu
ata meu sonho pigmeu
__________________________________________________________________
casmurros
eu poemo
tu poemas
ele poema
nós poemamos
vós poemais
mas
eles desveneram neologismos
10.04.2005
_____________________________________________________________
godot
para o Henrique França, em saudável contenda
não faço
não vou
no espaço
sou
palhaço
de deus
esperandoestou
9.2.2005
______________________________________________________________
quixote
o sonho
pó
a vida
mó
27.10.84
_______________________________________________________________
hora perdida
passo pela hora igual – não consigo desfiar a canalhice
da velhice da corrupção na minha poesia inimiga
que importa ao cidadão votado
senão que a consciência lhe diga
de manhã à noite
que ética é nunca ser derrotado
essa condição de que nunca há fadiga
nutrida pela pele do lobo pluridentado
protegido pela lei abissal do código superado
que nos enfronha nas mente como intriga
me torna fraco o acordo mutual
permito que essa ambição vocacional siga
enquanto entrelaçada numa rede nacional
minha cidadania me castiga
(mas será que não tenho nada melhor a fazer
do que versos sobre esse imperecível ritual?)
este Brasil é uma porta que me fecha
me desliga
02.02.2006
_______________________________________________________________
jesus cristo
do orto
ao horto
a porta da luz
o preter-natural porto
sem cruz
23.03.2005
________________________________________________________________
receita
recicle seu passado
faça dele
papel higiênico
9.12.2003
_________________________________________________________________
renovoo
após
o pós
o neo
urde
o retrós
02.07.2005
__________________________________________________________________
passos viscosos
resíduos morais
calcorreiam olhos de ratos
no chão de relvas desalentadas
chão de raízes chorosas
frutos pútridos de urnas inconscias
bocas desdentadas
manhãs que se sonhara radiantes alvoram castradas
o sorriso que gela
o coração em ardência
(instante que a dor sela)
ferida aberta que a notícia traz
repisar no que envergonha
vislumbrar somente vasa
excremento ou peçonha
estigma que consome
o viver sem lustre
vontade inexcedível
de não se querer sequer um nome
18.7.2005
______________________________________________________________
o trabalho
saber
que o sabor
da fome
que o braço
consome
é o que digna
ao homem
aço
a seu nome
03.03.2005
_______________________________________________________________
as meninas
”tem asas o desejo, a noite é um manto”
BOCAGE
na noite, manto
ocultas no canto
ninguém (nada) é santo
entre
tanto
20.10.2003
_________________________________________________________________
via satélite
o papa morre
a mídia corre
o povo de porre
se socorre
08.04.2005
__________________________________________________________________
espelho
A íris refletida impudente:
– Nem Jekill nem Hide/
– Tu és Spencer Tracy!
27.06.2005
__________________________________________________________________
ao tom zé
diz soante
à baiana
o viva à garoa
alardeia a aldeia
que arde e assoa
viva o vivo
víbora passeando entre pernas
da arte que voa
19.08.1995
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assumpção preto
que faça a massa
nascer o nego de novo
que faça a massa
não mais fritar o ovo
meio pedra
meio mar
me diga esse povo
quem ouviu ele cantar?
meio pedra
meio mar
qual o coletivo de azar?
meio pedra
meio mar
São Paulo a fabular
meio pedra
meio mar
não se esqueça de lembrar
16.02.2005
_________________________________________________________________
orides fontela
aviso aos bandeirantes:
quero ela
não quero sua panela
encravada dentro
da alma de cimento
e ruídos sociais
exubera o branco no papel
na filosofia – o plantão
no verso – o reduto
debaixo da aristocracia
do viaduto
24.07.2006
_______________________________________________________________
a retomada
na via da ida
a retomada amada
retoma o verso
remonta
a página o prefácio o número da página a letra
a retomada amada
frena o verso
do que nasceu antes
o dantes
o louco desta hora
o inventor dos amanhãs
a retomada amrespira e deixa respirar
e permite vez em quando (neste tempo)
que eu passe a língua
no dedo
e vire a página
19.1.2001
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em busca do verso (2005)
a elegia datada
Em memória de Haroldo de Campos, inventor.
o homem desta manhã
nos olhos fundos
de cada um
no mundo do olho
de cada um
que pudera
no orvalho
que insiste
no triste
ovo que gera
mostra o mundo
da palavra mera
o homem atrás
do pano de fundo
no limoso poço
– cratera
olhar profundo
nos olhos tristes
e corcundos
a dor jacta:
a dor da era
olhar santo
de tanto fundo
que na pele atraca
a funda espera
a fome e o planfeto
que se leve avante o levante ante
essa coisa de fome de quem não come
de quem não consome e se consome e some
ou fica no mundo ou fica vagabundo
ou se desfaz e não faz se não se faz
pois consegue que um todo negue
a importância e a ãnsia da bravata do lula de gravata
que o mercado acha que ata que o banco atarracha
e usa o riso e usa o siso a imprensa e prensa
a todos que querem que o levante
não se esfomeie irrelevante qual estrela cadente
falar nisso cadê o dente?
quem tem medo do homem nu?
para Wladimir Herzog
a foto do fato do homem tratado no porão como rato
na pele pela dita ditadura
que forja suicida e dor sem atadura
cala o gesto
a pena
a fala
e leva à vala
tritura
ama da dor intátil à torpe tortura
mas amador líder a delir o delírio ufano
tripudia a (s)chibata do insano
(o nó do peito: regar do fedor da dor do nada feito ao feitor)
revivescente
remoer a ferida
retirar a tala
o que atenua
o viver em vão
na vida sentida
se o sofrer cala
a poesia crua
arranca um não
no alto da vida
(aonde a dor se instala)
o clarão da lua
banha meu coração
a briga
na rua
a lua
crua e nua
anuncia
um eclipse
na tua
psique
carcará
o canto do João
do Vale
vale tanto
que o tanto
é pouco
e um poco
santo
roberterasmo
”e que na minha idade
só a velocidade
anda junto a mim”
encanto
lua
olhar
rua
luar
arder
nua
luaridade
mote na morte do haroldo
um mundo a cada atómo num segundo a cada mundo num átimo envelheço no mundo
que meço eletronizado cada passo no espaço strangeletizado o aço das cinzas de um laço
do recomeço
pohemeto sonoro para cantar em qualquer andamento
ao mago Hermeto Paschoal
o tudo toca
o nada canta
a toca toca
toca e canta
até pato toca
e o mato canta
a corrente
a falada pá de cal sobre o visionário
dos versos com jugo o calvário
ó grilhão ao abecedário
em troca do catecismo
ao dinheiro do egoísmo
ds conversão que o prazer acorrenta ovaciona
todo aquele que deveras teme um outro lado
que a vida tem
revigorar
re vidar re tirar re mover
tal e qual o total do mal
da fala da sala e do sal
quatro
a tarde a chuva a janela a vida
a vida da janela na chuva de tarde tarda a vida
na chuva da janela a janela da vida
na chuva de tarde a chuva da janela
da vida de tarde a vida é tarde
é janela a chuva é vida
a vida sopra a vida morre na tarde
(enquanto isso lá fora a chuva e a tarde
se enamoram por um canto de jardim
cá a janela introduz na vida
como um novo amor o olhar
por fim o olhar e o jardim
cumpliciam-se com a tristeza do ocaso)
o dízimo
a sacola passa
e ultrapassa
a massa
a seita cresce
e escurece
a messe
a plebe
submissa
purga omissa
a sacola cresce
e ultrapassa
a seita
e escurece
submissa a plebe
omissa
purga
a messe
e a missa
passa
poética 1
mate não tema
anátema
da gema
mate não
aparte
arremate
o lema
mate não
clame
chame o fonema
embate o tema
poemate
sexo
não pode evitar meu olhar no seu olhar
meu olhar nos seus olhos
meu olhar nas suas recusas falsas
não pode evitar que me olhe
e que meu olhar atinja por teu corpo inteiro
primeiro o que vê depois a gangrena em seus pudores
não pode permitir que meu olhar vá embora
mas hesita teu olhar para o nada
um jornal
um poema
um não-objeto
nessa eternidade que abandona em todo seu âmago em todas suas febres
em toda sua insanidade
não pode você deixar de me amar
mas você não pode me amar
o quanto seus olhos decretam
somente o olhar amalgama suas dores
em busca do verso
prenuncie a letra pronuncie o nome
a palavra profetize
arrume a rima reme
em rumo da não meta
a metáfora fora de uma cor
rente à corrente da vaga
que surge a grave que supre
a suprema forma de canto
qual santo acalanto
poetize
sempre
poetize
quando
poética 2
me caço
sem laço
não me acho
nem em cima
nem na rima
nem em facho
me calo
no embalo
de quem fugiu
– vassalo
e dormiu
quando o sol surgiu
no gargalo
e ruiu
num pequeno
estalo
a eterna paisagem
o país dos penitentes dos sem-dentes
dos sorridentes da panela vazia
da vã alforria da lenta agonia
da favela trincheira
do eira nem beira
da xepa da feira
o poder que assola
a falta de escola
do governo esmola
que se travestem de humanos
mas que cada um é pro seu
que se atura como nomenkletura
tudo mesmo os eternos com seus ternos
que ganham reganham
dos que estão em versos lá em cima
logo acima que ensina que a flor fina na surdina
é pedra e medra do crivo de que tem o arquivo
que foge da raia dos ossos do araguaia
da sonhadora povoador terra do se terra
que berra que morro mas cerra ao ver s novela
que encerra no peito no leito da pátria varonil
juvenil do céu anil da puta que o pariu