MEUS VERSOS
Meus versos estarão prontos
Assim que eu morrer
Pois são versos consagrados à vida
O exercício de ceder
Meus versos estarão ao lado
Do dia que anunciar a morte
Pois são versos detalhistas e frios
Como minha própria sorte
Meus versos estão no fundo
Da alma em profusão
Pois são versos irrequietos
Que pululam no coração
Meus versos estarão cegos
Assim que a luz expirar
Pois são versos de escombros
Nascidos sem luar
Meus versos serão eternos
Quando todo o mundo acabar
Pois são versos atlantes
E devem voltar para o mar
Meus versos ficarão doidos
Assim que o riso passar
Pois são versos do palhaço
Que mesmo morto, continua a rodar
.
LITERAR
receio os dogmas de como fazer
recheio os poemas de puro prazer
abomino as cartilhas que dão de beber
ilumino os cantos com bem dizer
ponho na roda mestres do entristecer
vou ao canto do amanhecer
se tenho que expressar e viver
abstenho dos tempos de aprender
ELEGIA ATUAL
ninguém me escuta
ninguém me lê
ninguém me chuta
ninguém me vê
ninguém me cheira
ninguém me fala
sem eira nem beira
saio da sala
não que não tente
acender a luz
ninguém me mente
ninguém seduz
.
DESTINO
enquanto a vida passa
e os olhos assistem
a poesia cutuca
CASULO
por mais que lugares
toda minha vida morei dentro de mim
ciranda que falta o ar
consciente a divagar – provi linhas próprias
perpétuas desforras
escondi do espelho a face do mundo
morei sempre em nós
retalhei a vida e não retirei a casca
o que fiz e não
foi o abandono ao sol
.
REALIDADE
não me abasteço mais
de Drummond ou Kerouac
tempos de intrigas
necessidade de feijão
a velha louca abandona
o cemitério
traz consigo dores
e uma preguiça jamais expiada
.
TEMPO DO MEU TEMPO
temo o tempo que passou
o não colhido
temo o tempo de aportar
o do fruto
temo o tempo, o pior tempo
o dessa lua
temo tempo absurdo
de que nada morre
temo o tempo que não tenho
e o que devo
temo o tempo de lembranças
e a quem ficou devido
temo o tempo da espera
o encolhido
temo o tempo de dizer
o que ficou elidido
temo o tempo do meu tempo
o tempo danado
mais que amor o temor de um tempo
que não me foi dado
temo o tempo acordado
e o tudo sonhado
neste tempo de estado
de um tempo ansiado
temo o tempo de cócoras
e olhar vagueado
neste tempo de vigília
de olhos cerrados
temo o tempo de temer
que é temporário
tempo de todas as forças
em sentido contrário
“temo-te
tempo
temo-te
tanto
tempo de
pranto
temo-te
temo-te
nos cantos
temo-te
vento do tempo
voltário
temo-te
muito, movente
tempo vário”
o tempo é temerário
aos olhos
dos que cruzam a ponte de um rio seco
.
DISPERSÃO
ao amigo fraterno alço súplicas
ele me orienta: vender hot-dogs
como sempre, os muros
desta vez, Confúcio
e como nada percebo
nossa conversa deriva pelo irreal
ansiamos encontros no bar
no remoto bar da esperança
lá ouviremos uma cantora maltratada
e reclamaremos dos psico-terapeutas
.
A UM AMIGO
amor é palavra e é mais que ambíguo
pode ser amiga
pode ser solidária
pode ser undo
pode ser janela
pode ser um mundo
pode ser por ela
amor é palavra e é mais que ousado
pode ser serena
pode ser levada
pode ser de mãe
pode ser pequeno
pode ser um raio
pode ser ameno
amor é palavra e é mais que gasto
pode ser ouvida
pode ser que basta
pode ser por uma
pode ser por ser
pode ser imune
pode ser padecer
amoramigo
é mais que palavra
e deveria valer
.