como soluço contido
vômito que não fora
hora apartada do dia
a pele que empola
(na memória apenas)
a dor sem dor é abismo
mais: vontade de dormir
tempos sem medidas
de morrer mais de uma vida
sangria seca pedra e poeira
a dor sem dor sendo muda
não porta regougo nem foto
do pus que torto produz
o semblante medo espelho
parto simples do agouro
a dor sem dor – neblina
e noite sem riso copo vazio
vastidão de alegorias
colheita de tristeza
encontro do gestual pênsil
a dor sem dor é recordar
é constranger a estrada
que se guiou e não chegou
a dor sem dor de ser cego
por dentro da dor de dentro
da dor invisível
em que não se credita
a dor que grassa
que nasce pelo baldado
morre dúvida, não passa
a dor sem dor
é a dor do que foi feito
a dor sem dor
dor do desfeito
CONHAQUE E LIRISMO
Desconstruí um poema de amor
por não ter uma rosa.
Uma a uma, assisti palavras pelos ares.
Depois, no chão, perto de havaiana azuis,
vislumbrei nitidamente um mal me quer,
que, solidário com a tristeza,
não se despetalou.
O MEU STOP
espero o ônibus
ou uma saida?
O VULTO
Na casa velha da esquina, na janela
embaçada pela dúvida,
um rosto no alto. Dois olhos
que ferem mesmo penumbra,
mesmo sombra.
Raio de medo que me intercorre como conhecesse os atalhos de meu interior (moradia da maior parte de minha vida).
Sinto estar nu à procura de um oásis. O incógnito fere minha pequenez através do véu (ou de mim mesmo?), trespassada por agulhas e pregos que o olhar da janela aponta e julga.
Garrote a me fazer apenas um molde de ser humano que exala cheiros; vulto que da janela expões as vergonhas que nem me lembro mais, mas que as sinto, que as auferi na madrugadas geladas de minhas embotadas percepções.
Silhueta que ameaça aquilo que é o desconhecido dentro de mim para mim mesmo, o qual não há de rebrotar depois de tanta culpa apinhada.
Fantasmas a me acompanhar e dois olhos de mistério acortinam a minha frágil história, neste dia que poderia ter sido meu.
Raio de medo que me intercorre como conhecesse os atalhos de meu interior (moradia da maior parte de minha vida).
Sinto estar nu à procura de um oásis. O incógnito fere minha pequenez através do véu (ou de mim mesmo?), trespassada por agulhas e pregos que o olhar da janela aponta e julga.
Garrote a me fazer apenas um molde de ser humano que exala cheiros; vulto que da janela expões as vergonhas que nem me lembro mais, mas que as sinto, que as auferi na madrugadas geladas de minhas embotadas percepções.
Silhueta que ameaça aquilo que é o desconhecido dentro de mim para mim mesmo, o qual não há de rebrotar depois de tanta culpa apinhada.
Fantasmas a me acompanhar e dois olhos de mistério acortinam a minha frágil história, neste dia que poderia ter sido meu.
ÁRIDO
“o terror da página em branco”
TENNESSE WILLIAMS
a desertificação do olhar
na paisagem do desespero
(ou da espera?) a nublar
a infinita forma que insiste
catalisar-se como fractais
em repetições de ausências da palavra outrora solta aterra a pena da chave que liberta a vida que alimenta a fúria do verso em espectro
que tarda a vir que nega o nascer que impede o aflar do tanto que se dizer com as mãos e os dedos
mas que neste instante de grilhão apenas goteja
(fica para mais tarde o repartir)
em repetições de ausências da palavra outrora solta aterra a pena da chave que liberta a vida que alimenta a fúria do verso em espectro
que tarda a vir que nega o nascer que impede o aflar do tanto que se dizer com as mãos e os dedos
mas que neste instante de grilhão apenas goteja
(fica para mais tarde o repartir)
RITOS E PASSAGENS
“No meio do caminho tinha uma pedra”
DRUMMOND salta do papel como um esquisito corner
atroa ao vento a palavra-imagem na lucidez do poema que luz na aporia
tenta portas e cancelas de dúvidas nas ultrapassagens
DRUMMOND salta do papel como um esquisito corner
atroa ao vento a palavra-imagem na lucidez do poema que luz na aporia
tenta portas e cancelas de dúvidas nas ultrapassagens
VOZES DISTINTAS
“que lutas íntimas travei!
Se soubesses como estava farto daquela vã tagarelice!”
CRIME E CASTIGO – Fiodor Dostosiévski
pálpebras indeliberadas
cabeça em Raskólnikov
fixa em olhos imos
de onde sai a voz intejetiva de falso extraordiário
e outra que arrepende
a voz que ecoa na alma
outra que imita pregões nas ruas de São Petersburgo
a que circunjaz o sonho de gênio
ou a que nem sequer espreita desenlaces
a voz que enxere
outra que é subalterna
a voz de ouro
outra inválida;
uma voz que suspira
embaixo da voz que metodiza
voz profunda que exala mortos
antagônica à voz que cede a sonhos de imperadores
no final pela voz de dentro (com São Lázaro)
o homem almeja a dor
desde que possa ser
o seu próprio carrasco
A LUZ II
(depois de tantos versos)
Vem! Escolhe um escaninho
De meus sentidos e apodera
De meus ossos, meu cerne!
Faz de minha falsa serenidade
O pé esquerdo de Blake.
Vem! Distingue-me em doses De clarões da estrada de Damasco. Acerta meus passos rumo Aos vestígios de doçura Da âncora da visibilidade.
Vem! De onde não quero saber Nem lançar-me em busca De seus possíveis retiro e porta. Se queres, fecho meus olhos Enquanto me inundas.
Vem! Sê tudo posse em mim E abandona os pudores E culpas e silícios e enfins; Abriga os pruridos de hoje E de tudo o que mais te tentes.
Vem e senta-te à minha esquerda! Ficarei como o João de Da Vinci, Para que tornes a égide Do que preciso na fonte Do descanso do sopro.
Vem! E se assim almejas, Vem de punhal em riste, A devastar meus campos, Escravizar-me como índios Das reduções de língua geral.
Vem! Alcança meu topo. Esgarça meus sapatos E impede novos caminhos. Deixa o meu olhar extático A ver santos e orixás.
Vem! burla pedágios, rompe portais, salta sobre cadáveres que se estendem em vias da ininterrupta veia que fere.
Vem! brinquemos de ser: Tu, sonho, serás Lennon. Eu, MacCartney, o corpo. Tu, o mais amado e eu, O zelote epistolar, o da cruz.
Vem! Em naus estrangeiras, Em proa de Garibaldi, Com ira mas com amor Nos braços de quem me encontre Na boca de quem me lace.
Vem! Na economia De palavras no brado que se ouviu em Gettysburg, Na face triste do homem Da algema rompida.
Vem! Nos cânticos E réquiens de Varela, Nos porões e no pendão Do menino Cecéu, Nos laranjais virgens.
Vem! e traze-me em mãos Os venenos das cortes, As bulas não lidas, O imperativo do Corso, Os amantes de Catarina.
Vem! Se desejares, Traz nada: mãos vazias. Nem a denúncia de Debord. Nem a flor de Conh-Bendit. Ignora o casal não-casal.
Vem! Deixa todos os delírios. Os cubanos e os de Leary. Que o álcool frua nos versos Dos poetas postos em estradas. Voa com o menino Guesa.
Vem! Mas não fecha a janela Para o vento. Deixe o corvo Instalar-se sobre meu seio. Empareda gastos e planos. Verte sílabas aritméticas.
Vem! E impera-me! Constrói-me mandamentos Sem contudo realçar-me Na lava da Teofania do Sinai E o genuflectir dos povos.
Vem! Com o braço dado, O abraço queimoso do Sol Na areia pura dos tempos. No beijo ateu e crente. Vem e envolve a Terra.
Vem! Dentro e fora Da realidade ou do vagar De cada pensamento De glória ou do castigo. Vem facho de alegria.
Vem! Assiste de perto Minha morte, pois assim Deve ser no quando de tua Chegada: eu pó da estrada Amando a ti e toda redenção.
Vem! Distingue-me em doses De clarões da estrada de Damasco. Acerta meus passos rumo Aos vestígios de doçura Da âncora da visibilidade.
Vem! De onde não quero saber Nem lançar-me em busca De seus possíveis retiro e porta. Se queres, fecho meus olhos Enquanto me inundas.
Vem! Sê tudo posse em mim E abandona os pudores E culpas e silícios e enfins; Abriga os pruridos de hoje E de tudo o que mais te tentes.
Vem e senta-te à minha esquerda! Ficarei como o João de Da Vinci, Para que tornes a égide Do que preciso na fonte Do descanso do sopro.
Vem! E se assim almejas, Vem de punhal em riste, A devastar meus campos, Escravizar-me como índios Das reduções de língua geral.
Vem! Alcança meu topo. Esgarça meus sapatos E impede novos caminhos. Deixa o meu olhar extático A ver santos e orixás.
Vem! burla pedágios, rompe portais, salta sobre cadáveres que se estendem em vias da ininterrupta veia que fere.
Vem! brinquemos de ser: Tu, sonho, serás Lennon. Eu, MacCartney, o corpo. Tu, o mais amado e eu, O zelote epistolar, o da cruz.
Vem! Em naus estrangeiras, Em proa de Garibaldi, Com ira mas com amor Nos braços de quem me encontre Na boca de quem me lace.
Vem! Na economia De palavras no brado que se ouviu em Gettysburg, Na face triste do homem Da algema rompida.
Vem! Nos cânticos E réquiens de Varela, Nos porões e no pendão Do menino Cecéu, Nos laranjais virgens.
Vem! e traze-me em mãos Os venenos das cortes, As bulas não lidas, O imperativo do Corso, Os amantes de Catarina.
Vem! Se desejares, Traz nada: mãos vazias. Nem a denúncia de Debord. Nem a flor de Conh-Bendit. Ignora o casal não-casal.
Vem! Deixa todos os delírios. Os cubanos e os de Leary. Que o álcool frua nos versos Dos poetas postos em estradas. Voa com o menino Guesa.
Vem! Mas não fecha a janela Para o vento. Deixe o corvo Instalar-se sobre meu seio. Empareda gastos e planos. Verte sílabas aritméticas.
Vem! E impera-me! Constrói-me mandamentos Sem contudo realçar-me Na lava da Teofania do Sinai E o genuflectir dos povos.
Vem! Com o braço dado, O abraço queimoso do Sol Na areia pura dos tempos. No beijo ateu e crente. Vem e envolve a Terra.
Vem! Dentro e fora Da realidade ou do vagar De cada pensamento De glória ou do castigo. Vem facho de alegria.
Vem! Assiste de perto Minha morte, pois assim Deve ser no quando de tua Chegada: eu pó da estrada Amando a ti e toda redenção.
ISOLAMENTO
“O resto do mundo que temiam e evitavam”
Nota de rodapé
OS SERTÕES – Euclides da Cunha hoje sou um verso minúsculo e o resto é “terras grandes” um olhar na janela sem ver a nascente de quaisquer rios
hoje sou do Euclides, o tabaréu e seu arcabuz lá fora uma vastidão em que não me reconheço
minhas mãos seguram meu queixo fora da guerra santa na caatinga das cidades
hoje sou algumas palavras e o mundo inteiro me pesa no travesseiro
hoje estou só e o resto é um só
repulsado e oceânico
Nota de rodapé
OS SERTÕES – Euclides da Cunha hoje sou um verso minúsculo e o resto é “terras grandes” um olhar na janela sem ver a nascente de quaisquer rios
hoje sou do Euclides, o tabaréu e seu arcabuz lá fora uma vastidão em que não me reconheço
minhas mãos seguram meu queixo fora da guerra santa na caatinga das cidades
hoje sou algumas palavras e o mundo inteiro me pesa no travesseiro
hoje estou só e o resto é um só
repulsado e oceânico