Desço pelas ruas pisando a noite.
Fatos mortos se intervalam entre si
sem pausa, como um folheto
em velhos almanaques. Ávidas
recordações espocam transitórias.
O tempo não resiste às lembranças.
O tempo inexiste a um cérebro espesso.
O pensamento rompe qualquer noção
de datas ou agendamentos confusos.
Estou agora nesta madrugada fria
desafiando serenos e ratos,
mas carrego comigo o Sol ao pensar
em pessoas que caminham nas manhãs
que invento por vontade, saudade
ou à sombra de um mar melancólico.
Atravesso triunfalmente um beijo
de língua que ficou num sábado
qualquer do Universo ou aquele
acorde de quinta aumentada
que faltou para ela quando me agradava
com The shadow of your smile em ré menor.
O que eu quero mesmo é estancar o sufoco
de tanto de mim dentro de mim.
E que o tempo se revigore e me remova
das noites irmãs; que eu seja apenas passos.
Para a oferenda indivizível de chão.
Sem o espírito da escuridão
e seu cesto de fagulhas,
chafariz de névoas antepassadas.