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Fugaz, viça e cai.
Maneira da cerejeira
ser flor samurai.
DESCONHECIDO
O homem se desconhece.
Para viver, se inventa
dando sentido ao fumoso
mistério que o alimenta.
Cinge-se de um escudo
da falsa luz sem sentido
que o ofusca e o fanatiza
ao comer pão reprimido.
Como se não existisse,
ao rigor do coração,
traça linhas tortuosas
e vive como ficção.
10.06.2010
A QUEM INTERESSAR POSSA
Rendo-me à toda palavra,
se o meu coração desanda
a correr atrás de versos
ou dançar uma ciranda.
Assim, meio triste, caio
no cordão da euforia.
Mas eu jamais me arvoro
em brincar de poesia.
Amo o que o instante doura
seja qual for a egéria.
Como diz mestre Drummond:
“Poesia…é coisa séria!”
04/06/2010
CAMINHO
Poesia e política são demais para um só homem.
TERRA EM TRANSE
Glauber Rocha
Para onde derivar
meu caminho?
Onde instalar
meus desatinos?
Seguir a trilha do verso
e plantar no absurdo
todas minhas consciências inexatas.
Pleitear um canto
dentro do canto,
pelejar entre mistérios do amor.
Saciar longe das modorrentas
passagens pelo dia.
Alçar a balança das vindas,
Rebater causas não minhas?
Fixar o que soçobra na mente
em espaços que se chora
sem o querer inexecutável.
Caminhar dentro do que chamo dentro.
Mesclar a indecisa poesia
com o fim de todas as virtudes.
Lançar contas nos fins das contas.
O poeta é o dono do pensamento,
do repartir da luz,
da palavra não palavra.
Fina e repressora do que se entende
à primeira vista, ao primeiro demão.
A poesia, estado de viver
em saber-se exteriorizar
o afã de apregoar o infinito.
De resto, apenas a vida que se borra.
29/05/2010
TERRA
Terra não é só chão
onde se esteiram nossas sombras;
não só punhado de terra
areado sobre nossas mortes.
Terra não é só o sonho
alimentado sempre por uma posse
distante de qualquer que se imagine,
no fim do que não se enxerga.
Terra não é pátria nem o amor a ela.
Nem o berço celebrado
nem a história que se guarda.
Terra planeta girando em perigo
é filha do nominalismo.
Estas Terras não são a Terra.
Terra é a impossibilidade do que se pensa sobre a Terra.
O que nunca será.
O desejo da surpresa de onde atracar.
O não saber, onde buscar.
Terra é um infindável desterro
dentro de nós.
28/05/2010
TOLA MANHÃ
A chuva cai
e se desmancha
nela mesma.
(02/02/2010)
ANAGRAMA
Ouço, em menino,
que HOTEL FLÓRIDA tem um mistério:
as letras desembaralhadas
e novamente enfileiradas de outro modo
repentina ADOLF HITLER.
Mas o amigo, cara de assanhaço,
diz com riso de taça Jules Rimet
que sobra um O.
– Que faço com o Ó?, pergunta com o bico.
Não sei responder.
(E era tão fácil estinlingá-lo:
bastava retratar o que senti
diante da alquimia que as palavras têm
e colocar um ponto de exclamação:
Ó!)
(26/01/2010)
IMORTAL
A pessoa muito amada não morre.
Funde-se à memória do tempo como árvore.
Não há cinzas. Apenas ontens renascidos.
A pessoa amada, se morre,
vira feriado
dentro de nós, o Dia da Ausência.
16/01/2010
MADRUGADA EM RIBEIRÃO
Estas ruas vazias de vozes
são minhas veias puras,
sem o descarte do inesperado.
Esta calçada que pouco vejo
são os verdadeiros passos,
agora que andar
não mais é a necessidade
de chegares de saliência.
Este encontro de lacunas
traz-me a possibilidade
do raiar menor,
compassivo estar em alguma parte
onde o sonhar perambula
entre casarões desfraldados.
A noite escura de minha cidade
é a claridade de minha alma.
20.09.2005