I
ocaso morno
um verso passa e não me leva junto
som seco de fúria tira de toda via a isenção do medo
a noite embrenha-se além de onde estaria e derruba estacas
um doce sorriso (que imantava outros) fica escuro – seca
parece que há noites que rejeitam tardes de sonoridade plena
– pequeno verso viajor, que sejas no mínimo arraiado e carrossel
II
não tragas atonia se vieres em chegada à passos concretos
saibas do zelo nos pisares e pés álgidos de ladrilhos
tenhas a linguagem de Ítaca sem mastros
não retornes ao limbo
assenta ao altar (dói-te todo ouro?)
mas chega ao verso sem abominar caules do lirismo
beija com pudor: a poesia dialogo com todo coração.
III
a graça do prazer fora das ruas
longe da fúria errante da palavra falada e arcaica, submersa às buzinas
a graça é o silêncio e o sentir bem dentro do ventre da terra
fora de toda vida na ditadura de ancestrais
(a tristeza apenas por conta do mar que dista)
a graça será por ser poeta da esquina sem cidade e náusea
IV
a poesia rala recebe mais que indulto
medalha são postas e estudos abdicam do sério viés que finge soturna qualidade
são apenas normas herdadas
ranços ruminados sob os dogmas de sempre
assim decidem o que é/como se faz eugenia de formas:
evertem líricos e às trovas narizes torcem
V
temas inamáveis encafifam o artesanato das palavras
(a poesia rejeita o tálamo)
assim o canto (boca de sapocosturada) vai gritar gols
VI
a poesia cede e o vento (de soslaio) circunda o amor que a tarde beija
bocas de opressâo
silhuetas vermelhas como cascas do enjoo
setas que perfuram a carne em chamas de natureza bélica, ardem:
eufemismo para tesão descarado e incolor
VI
somos censores naturais
cabeça com sete décadas de lembranças
pinçamos as não amargas – as palatáveis: cerejas da memória
as sobras sofrem cortes bruscos com a tesoura do tempo a piratear dentro de nós
fatos convivem com cartas náufragas ao léu no emaranhado de dias
somos os naturais censores de nós mesmos – torturados
VII
beira do dia: há um abismo chamado após
que muda de lugar a cada instante,
a cada pistache,
a cada sangria
um bálsamo de histórias e números e sufoco compõe um borderô de vida
beira do dia: há um abismo
e um chamado sempre ávidos
onde soçobram cansaços e delírios
por vezes alguma semente
VIII
o poema se alça por si mesmo quando grita e flui
quando as palavras arfam e amedrontam de brilho
pedras de valia
pedaços de mundos unos
desabrochadas placentas
não obedecem a um grito
a uma ação de espreitar a dor
a fúria
seja com olor ou sangue e despejo
no caldeirão que o habita
que o recebe
que o hospeda vida afora
onde aguarda o que será a deriva de um sentimento para o transformar
em flor riso ou desabafo noturno:
aquilo que a forja criará com vocábulos recolhidos em brenhas de poesia
entranhas de novas vidas parturientes e alucinadas
inesperado e encapsulado o amor aflora
como ser matinal como um rosto aparecido na esquina da vida
– a curva no caminho do Sol
festa e ar em forma de nuvens a bradar poesia e vitória:
está pronto e renascido aquele que vem onda, correnteza e avalanche
vem de mil formatos e tinos e compreensões
vem rasgado
inteiro
alto som de bardo
silencioso como a última dor da noite
bêbado como um acordar, choroso como abandono
espetáculo como o luar
chega despejando cactos
redistribuindo beijos como cálida reprodução de ovos
chega parasita do corpo aprisionando os sentidos
explodindo vícios
lambendo o chão de tanto orgasmo
sem temer sequer a gaveta que sabe ser seu destino – sua lápide – seu profundo leito
vem cumprindo seu papel:
o de carroça que traz à tona da vida o desespero de alguém
(inquietude dos seres)
a força do cinza
mentes noctívagas e obliteradas
vem para o mundo já se proclamando como o grande mensageiro
daquilo que chamamos farsa